quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

HISTÓRIA DO PEQUENO JUMENTO


Era tempo da quaresma. Nossa família, católica por tradição, respeitava e praticava os jejuNs de carne das quartas e sextas-feiras, quando o bacalhau, a sardinha e o peixe fresco substituíam a carne de vaca, de porco ou de frango. O que era para ser um sacrifício transformava-se em prazer, pois as bacalhoadas, ou as fritadas de sardinha eram muito mais apreciadas do que os bifes e as carnes de caçarola. 
          Vovó Bia havia se transferido, de “malas e cuias”, como se dizia, para a casa do irmão, Francisco, na cidade, deixando o vovô Aníbal na fazenda. Estava com um problema de saúde e necessitava constantes consultas médicas.
          Vovó Bia ia às missas diariamente, às sete da manhã, na Capela do Colégio, que ficava a um quarteirão da nossa casa. Era uma figura clássica: mulher miúda, mantinha o cabelo preso num coque simples; a roupa sempre escura, preta ou azul marinho, cobria-lhe os braços com compridas mangas e a saia comprida ia até os pés. Calçava sapatos simples, sem saltos e meias grossas, de lã. Nas manhãs mais frias, um chale sobre os ombros, cor de cinza, com as bordas acabadas em crochê, que era a especialidade dela e de todas as filhas.
         Em casa, no período da quaresma, abria seu livro de orações diversas vezes ao dia e rezava assentada numa poltrona de palhinha, diante dos quadros de santos do seu quarto.
         Ocasião de recolhimento e silêncio, observados por todos da casa. O que não impedia de que nós, os garotos, pedíssemos à vovó que contasse histórias. E ela atendia, sempre bem disposta e sorridente.
         As histórias eram apropriadas para o tempo e as comemorações. Por isso, naquela ocasião, ela contava histórias de Jesus, ligadas à paixão, morte e ressurreição.
        Como era ocasião de aulas, os ouvintes eram quatro netos: Toninho e Arthur, que moravam definitivamente na casa de Tio Gordo, mais Dorinha e Tavinho, que vinham da Fazenda Palmeiral para frequentar as aulas.  
         Numa noite, vovó anunciou:
         — Hoje vou contar a história do jumentinho...
         — Ora, vovó, a gente quer ouvir uma história de Jesus. — Dorinha estava sempre reclamando.
         — É, conta uma dos milagres que Ele fazia. — Disse Toninho.
         — Esperem, meninos.  Eu ainda nem comecei, e já estão a reclamar!
        As crianças se aquietaram e passaram a prestar atenção.
        E vovó contou.

          Era uma vez um jumentinho que ficou desaparecido por um dia inteirinho. Quando voltou para sua casa, quer dizer, para o estábulo que repartia com a mãe e o pai, estava todo contente e saltitante. A mãe lhe perguntou:
          — Por onde você andou o dia inteiro? Desde manhãzinha que eu e seu pai estamos te procurando. E agora você volta todo animado. Que foi que aconteceu com você?
          O jumentinho respondeu:
          — Estava na cidade. Lá aconteceu uma coisa incrível. Quando cheguei, fui aplaudido, todos me davam vivas. A multidão gritava, todos estavam alegres, e estendiam seus mantos no chão, para que eu passasse. Foi maravilhoso.
          — E você estava sozinho,quando isto aconteceu? — a mãe perguntou.
          — Não. Eu estava carregando um homem de longa barba e cabelos compridos. Era alto e magro, pesava quase nada.
          — Que homem era esse? — A mãe estava ficando cada vez mais curiosa.
          O jumentinho, meio sem jeito, respondeu:
          — Não conheci, mas o povo gritava: Jesus,. Jesus!
          A mãe então disse ao pequeno jumento:
          — Filho, amanhã você vai voltar à cidade, mas irá sozinho. Vamos ver o que acontece.
           No dia seguinte, o jumento foi à cidade e percorreu o mesmo percurso que tinha feito no dia anterior. Mas ao contrário do que acontecera na véspera, agora todas as pessoas que passavam por ele, ou perto das quais ele passava, fizeram o inverso:
          — Sai, jumento. Sai do caminho.
          Algumas pessoas até mesmo lhe deram varadas no lombo ou jogaram-lhe pedras, enquanto lhe xingavam.
          Triste e magoado, voltou para casa e disse à mãe:
          — Estou triste, pois nada aconteceu comigo. Nem palmas, nem mantos, nem honra... Só apanhei, fui xingado e maltratado. Eles não me reconheceram, mamãe...
          E batendo as patas no chão, com raiva, perguntou à mãe?
          — Porque fizeram isso comigo ontem foi tão diferente,tão divertido...
          A mãe do jumentinho, então respondeu:
          — Ontem, meu filho, você carregava Jesus no seu dorso.
          O jumentinho ouvia, atento. E ela concluiu:
          — Meu querido filho, você sem Jesus é só um jumento.
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          As crianças permaneceram mudas,como que assimilando o significado da história. Passado alguns minutos, Arthur falou:
         — Quer dizer que o jumentinho...?
         — Pois é, concluiu Vovó Bia. Sem Jesus, a gente não é nada nesta vida.

ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2012
Conto # 769 da Série Milistórias


 

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