quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A VISITA MISTERIOSA

História da Escola Estadual Paula Frassinetti, em São Sebastião do Paraíso.
 Homem de poucas letras mas de um dinamismo inegável, Donato Piccirillo dava continuidade à grande “Casa Brasil”, antiga “Casa Maria Italiana”, fundada por sua mãe, esforçada imigrante italiana que, com grande tino administrativo, fizera de seu pequeno estabelecimento comercial uma importante casa varejista e atacadista, a maior de toda a região do Sudoeste de Minas Gerais.  
Atendendo ao balcão, dando rápidas incursões ao escritório, e demoradas idas aos armazéns de mercadorias, seu Donato fiscalizava tudo, com aquele “olhar de dono que engorda o porco”. Nada escapava à argúcia de sua administração e de sua presença nas dependências do estabelecimento, parecendo estar em todos os lugares ao mesmo tempo. 
Alegre e  bonachão era benquisto por todos, e solicitado para ajudar em quase todas as atividades sociais da cidade, desde o pedido de donativos para os velhinhos da Vila Vicentina, ao patrocínio de ampliação da Santa Casa (único hospital da cidade), até proposta para se associar a empreendimentos imobiliários, industriais e o que surgisse na cidade.
Generoso, ajudava a todos os pedidos de donativos.
Atilado, só entrava em negócios de lucro garantido.
Idôneo, jamais embarcara em aventuras ou picaretagens financeiras ou comerciais. Inteligente, jamais entrou na política.
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Certa tarde, pelos idos de 1960, foi procurado por uma freira que solicitava um “momentinho da sua atenção”.  Cordialmente, com um sorriso aberto, convidou a visitante:
— Pois não, Irmã, é uma honra recebê-la. Venha, entre no meu escritório. Aqui podemos conversar à vontade.
Assim que se sentaram, Donato ordenou ao rapaz ajudante do escritório:
— Matias, vai lá dentro, traz água e cafezinho para gente.  
Pelo hábito negro, pela touca e o rosário pendente na cintura, Seu Donato reconheceu: era uma irmã da Congregação de Paula Frassinetti. Irmãs dedicadas e competentes, cuja vocação era mesmo para o ensino, já administravam, na cidade, o Colégio Paula Frassinetti (Curso Ginasial)  , a Escola Normal e a Escola de Comércio. Estabelecimentos de ensino de alta qualidade, todos exclusivamente para meninas e moças, que formavam excelentes professoras primárias, contadoras e preparavam centenas de alunas para enfrentarem o estudo nas faculdades.  
A freira mostrou desembaraço e foi logo ao assunto:
— Seu Donato, estou aqui para lhe pedir uma ajuda muito grande. É para a construção de uma escola primária aqui no bairro. O senhor sabe, a escola mais próxima está lá no centro, e o bairro está crescendo, tem muitas crianças para estudar.
— É verdade, Irmã. A meninada do bairro tem que andar bastante para ir à escola. Tem muito garoto aqui que nem vai à escola.
— É preciso fazer uma escola, por pequena que seja, para os meninos do bairro.
— Olha irmã, a senhora sabe, é um pedido muito importante. Tenho que pensar. Dentro de uma semana, vou lhe dar uma resposta. Vou procurá-la no Colégio. 
Com esta resposta, a Irmã (que nem se identificara), despediu-se.
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Uma semana depois, eis o protagonista desta história real batendo à porta do Colégio Paula Frassinetti, a fim de dar uma resposta ao pedido da irmã. Atendido pela Madre Gomes, diretora do colégio, ele, que era homem de ir direto ao assunto, disse:
— Madre, semana passada fui procurado por uma Irmã do seu colégio, pedindo ajuda para a construção de um grupo escolar no bairro onde está a Casa Brasil e onde também resido. Vim para dar a resposta.
Madre Gomes achou muito estranho o motivo da visita.
— Acho que o senhor está enganado. Não autorizei nenhuma irmã aqui do meu colégio a pedir-lhe esta ajuda. Não temos nenhum projeto para um grupo escolar e...
— Tenho certeza que era uma de suas Irmãs. Infelizmente, nem lhe pedi o nome,
A superiora, interessada em elucidar o que lhe parecia um grande engano, propôs:
— Vou chamar todas as Irmãs aqui na sala, perante o senhor, para verificar quem o visitou.
Dentro de alguns minutos, todas as Irmãs estavam na sala, perfiladas, para que uma delas fosse identificada como a que teria visitado o importante comerciante.
Olhando com atenção para a fileira das Irmãs, ele disse:
— Não, não foi nenhuma destas aqui.
Observando melhor, falou, meio indeciso:
— Parece que foi esta. Não tenho certeza... é parecida com ela...
A madre disse para a irmã indicada, que seria a possível visitante:
— Irmã Paula, a senhora visitou o senhor Donato?
— Não, Reverenda Madre. A senhora sabe que não saimos do Colégio sem sua autorização.
Impasse. Um ar de desconforto encheu a sala. As irmãs começaram a conversar.
— Silêncio! — Determinou a superiora.
O comerciante ficou sem jeito, olhava de um lado para o outro, para as irmãs e para a superiora.
Acidentalmente, ergueu os olhos para um quadro, o único da sala, uma pintura que retratava uma irmã da congregação..
— Foi essa irmã que me visitou, disse, apontando para o retrato.
— Impossível! – disse Madre Gomes. — Essa pintura é o retrato da fundadora da Congregação. Nossa amada Beata Paula Frassinetti.
O ambiente da sala ficou pior ainda. Mas a madre, com determinação, ordenou que as irmãs saíssem da sala.
Muito sem jeito, seu Donato levantou-se.
— Bem, irmã... acho que já vou indo.
— Por favor, seu Donato. Não vá, sente-se, lhe peço.
Madre Gomes havia percebido que algo transcendental estava acontecendo. Pensou:
A visita de uma irmã desconhecida... identificada como a fundadora da congregação... Não me atrevo a pensar em milagre... mas um aviso foi dado, com certeza.
Ele sentou-se. E a Madre prosseguiu.
— E o senhor... veio dizer que nos ajuda a construir uma escola no seu bairro?
— Mas a senhora disse que não tem nenhum projeto e...
— Mas o senhor foi convidado... e se aceitar o convite, claro que faremos a escola, sim!
— Pois é, vim aqui para dizer que tenho um terreno bem ajeitado, no centro do novo loteamento do bairro. Quero oferecer para a construção do grupo escolar.
— Pois então! Mãos à obra!
Tocando a sineta que chamava a irmã atendente, lhe disse:
— Chame a irmã Paula.
E quando esta chegou:
— Irmã Paula, o seu Donato vai doar um terreno para a construção de um grupo escolar no bairro São Judas, onde ele tem a Casa Brasil. E a senhora vai ficar encarregada de construir o grupo escolar naquele terreno.
— Mas, reverenda... Eu... não sei se posso...
— Olha, irmã, claro que pode.
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O comerciante despediu-se, feliz por ter feito a doação do terreno. E, com o correr do tempo, o grupo escolar foi erguido quase que totalmente com material doado por ele.
Irmã Paula, que administrou com eficiência a construção, foi nomeada a primeira diretora do Grupo Escolar Beata Paula Frassinetti.
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Atualmente, meio século depois (escrevo na segunda década do século XXI), aquela semente de cultura e saber funciona sob a tutela do Estado de Minas, como Escola Estadual Paula Frassinetti. O pequeno prédio foi ampliado e o edifício, de dois pavimentos, com 40 salas de aula, mais quadra de esporte, ocupa todo um quarteirão. Frequentado por mais de 800 alunos, é uma escola modelo para a cidade e para a região, pois foi erguido atendendo a um pedido póstumo da fundadora da Congregação, hoje no panteão da Igreja Católica, Santa Paula Frassinetti.  

ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 15 de janeiro de 2013
 Conto # 764 da Série Milistórias

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